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Insensato Coração

Posted by Aquiles Martinelli on 15:26
Nova York
Em um gélido e sombrio quarto do New York Palace Hotel, numa das avenidas mais badaladas de Manhattan, encontrava-se Silvia Toledo, uma mulher beirando seus quarenta anos de idade. Olhando por através da parede de vidro do cômodo, destacava-se o rio Hudson, um dos cartões postais da cidade.
            Engolindo mais um comprimido do seu calmante — o sexto —, a cantora lírica, que acabara de voltar de uma apresentação da Broadway, abriu a gaveta do criado-mudo onde, após espalhar várias cartas de fãs pelo chão, encontrou, no fundo da gaveta, uma carta que se destacava das outras.
— Para o meu querido e único amor da minha vida — ela leu o destinatário da carta, sentando-se no sofá.
             O silêncio que pairava sob o quarto foi quebrado após uma repentina chuva cair do céu cinzento de Nova York. Silvia tirou a carta de dentro envelope. Ao abrir o pedaço de papel, uma lágrima despencou por seu rosto.

São Paulo
— Onde diabos foi parar esse arquivo importante? — perguntou um homem, vasculhando seu computador.
            Enquanto procurava por entre os vários outros arquivos, o homem notou uma foto antiga.
— Eu achei que havia apagado essa foto — disse friamente, os traços do rosto tão rígidos quanto severos, avaliavam uma mulher ruiva e sorridente.
            Levantando de chofre da cadeira, o homem andou lentamente até um espelho, no canto oposto do escritório. O que viu foi o reflexo de um homem amargurado, os cabelos ralos e brancos e, porções de rugas pelo rosto.
            Ele não se reconheceu.
— Você é a única responsável por essa minha aparência — disse lentamente à foto da mulher refletida pelo espelho. O ódio em suas palavras era notável — Por que eu não consigo esquecer você? — questionou aos berros, pegando seu celular no bolso e atirando-o violentamente contra o espelho, partindo-o em centenas de pedaços — Por que você me abandonou? Por que você não deixou nenhuma carta? — perguntava-se aos prantos, atirando-se no chão, sem forças.
—... Você nunca permitiria que eu viajasse mundo afora para que eu pudesse trabalhar com o meu talento — continuava Silvia a ler a carta —. Por várias vezes eu lhe questionei sobre como você reagiria se eu disse-se que queria cantar ópera no exterior e, você sempre me proibia, você sempre diminuía minha auto-estima, por isso eu decidi sair de casa. Não pense que eu te abandonei. Um dia, quando a raiva que você deve estar sentindo por mim nesse instante passar, eu voltarei... e farei de tudo para que sejamos novamente o casal mais feliz do mundo.
            Ela dobrou a carta que nunca tivera coragem de deixar ao marido e apertou-a contra o peito.
— Será que você ainda sente rancor de mim, Heitor? — perguntou a mulher, se encolhendo no sofá, o choro agora era incontrolável. Pegando a cartela de comprimidos na mesinha de canto ao lado do sofá, engoliu outro calmante.
— Onde você está agora, meu amor? — perguntou o velho, soluçando de dor em meio ao pranto, caído no chão sob os inúmeros cacos de vidro do espelho partido.
— Eu sempre te amarei, meu único e verdadeiro amor — disse a mulher, enfraquecida pela overdose de calmantes. O corpo duro e rígido dela ficara imóvel no sofá.
            Silvia Toledo faleceu.


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